terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

IRMÃO ANICETO LIZASOAIN LIZASO

MÁRTIR NO CORAÇÃO E NO CORPO
 
 Aniceto nasceu em Iruñeta, Navarra, aos 16 de abril de 1877. Tinha aproximadamente 12 anos quando ingressou no Seminário Menor Redentorista de El Espino, com o desejo de ser padre. O pouco que se sabe desses doze anos anteriores à sua entrada no Seminário foi o que o pároco de Iruñeta conseguiu colher dos colegas de Aniceto ainda vivos em 1944, quando padre Lucas Pérez escreveu-lhe pedindo informações sobre a infância de nosso mártir: “Era um bom menino, obediente, piedoso, respeitoso com seus pais e os mais idosos, bom companheiro nos jogos, que eram sempre decentes, e sempre demonstrou muita vocação ao estado religioso”. Podemos dizer que o irmão Aniceto foi o irmão dos dois martírios: o do coração e o do corpo. O primeiro foi devido ao fato de, tendo iniciado os estudos com o ardente desejo de ser sacerdote, ter sido chamado a desistir já muito próximo de alcançar a meta. Fez a profissão religiosa como corista em 15 de outubro de 1896. Em seguida, foi para Astorga e iniciou os estudos maiores; cursou toda a Filosofia e grande parte da Teologia. Já bem próximo de conseguir seu sonho, veio a decepção: os Superiores lhe comunicam que, “por debilidade de cabeça”, não podia receber as Ordens maiores. Davam-lhe a opção de voltar para o mundo ou ser irmão coadjutor se quisesse permanecer na Congregação. Em 20 de março de 1903 chegou a Nava del Rey. Na sua boa vontade de aceitar o que, humanamente falando, era um rebaixamento, descontrolou-se seu sistema nervoso. Temendo que a coisa piorasse, mandaram-no para uma temporada de descanso a um povoado onde seu irmão era pároco. Partiu em maio. Quando voltou em outubro, notaram que estava bem mais tranqüilo e, assim, podia continuar como irmão coadjutor. O impacto, entretanto, foi tão violento que o acompanhou vida afora pelos trinta e três anos que ainda havia de viver. Ou seja, o martírio do coração só o deixou quando as balas de um fuzil lhe deram o martírio de sangue. O segundo!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

IRMÃOS NICESIO E GREGÓRIO-DOIS IRMÃOS A CAMINHO DO MARTÍRIO

IRMÃO NICÉSIO
Quando estourou a guerra, fazia apenas dois anos que irmão Nicesio havia chegado a Madri, e nesses dois anos, com a humildade que lhe era característica, exerceu o cargo de hortelão. Pouco saía do convento, pouca gente conhecia. Juntos, irmão Gregório e irmão Nicesio, no dia 20 de julho abandonaram o convento e abrigaram-se na casa de dona Trinidad Bru, viúva e mãe do padre Lino, diocesano e amicíssimo dos Redentoristas, que só não entrou na Congregação por ser filho único e ter de cuidar da mãe. Morreu, também como mártir, sem realizar seu sonho. Ali viveram em paz, desfrutando do ambiente de carinho daquela família, até 27 de julho, dia em que o porteiro do prédio, acompanhado de um motorista, bateu à porta de dona Trinidad intimando-a, de forma autoritária, a tirar do prédio os dois religiosos. A bondosa mulher pedia-lhe educadamente, mas com insistência, que lhe desse mais algum tempo para conseguir outro lugar para abrigar seus hóspedes. O porteiro, no entanto, que não entendia de delicadezas, e com ameaças, manteve sua ordem. Padre Lino, exibindo todo o porte de atleta que Deus lhe dera, saiu à porta, e com voz firme replicou ao porteiro: “Pois eu lhe asseguro que, com grosserias assim, não sairão senão por cima de meu cadáver”. O porteiro retirou-se sem dizer palavra. Poucos dias depois, o corajoso padre Lino, grande como um gigante, mas ingênuo como uma criança, caía varado por balas enquanto caminhava pela calçada. Com uma documentação falsa que conseguiram para o irmão Gregório, ele e o irmão Nicesio saíram da casa de dona Trinidad e, com todo o cuidado, dirigiram-se a uma pensão na rua Pelayo. 
IRMÃO GREGÓRIO
A proprietária da pensão preencheu a ficha de hóspedes e pediu ao irmão Gregório que assinasse. Mas aquele irmão Gregório, que em seu contato com o mundo tanto aprendera, não havia aprendido a dissimular. Declarou que aquela cédula de identidade não era sua. Diante disso, é claro, não puderam ser aceitos na pensão. Estavam, literalmente, na rua. Recomendados pela senhorita Maria Ruiz, apresentaram-se ao Comissariado de Chambery. O Comissário, porém, dizendo-lhes que ali a vigilância dos milicianos era implacável, e, se os acolhesse, colocaria em risco a ele e a todos os demais que ali trabalhavam, lamentou, mas nada podia fazer. Apenas permitiu que ficassem num banco ao canto da sala, até que caísse a noite e se dispersassem as turbas e os milicianos que rondavam pela rua. Ali ficaram até a meia noite. Quando viram a rua livre de inimigos, saíram e dirigiram-se à rua Arrando, que o irmão Gregório conhecia muito bem, pois trabalhara bom tempo num imóvel dessa rua reformando um sótão para transformá-lo em depósito do Editorial El Perpétuo Socorro. Esconderam-se ali por vários dias, enquanto durou o estoque de alimentos que traziam consigo. E por mais dois, que passaram sem comer praticamente nada, quando então foram socorridos por Maria Ruiz e Pepita Moreno. Pepita, que tanto se desvelou por vários Redentoristas, visitava-os e levava-lhes alimentos, ao mesmo tempo em que procurava outro abrigo para eles. Mas foi Maria Ruiz quem acabou conseguindo a casa da família Quintanilla, na rua Covarrubias, a mesma rua do Editorial El Perpetuo Socorro. Como ninguém os viu entrar, tiveram mais alguns dias de paz. Paz que durou pouco. Dia 14 de agosto, véspera da festa da Assunção, lá pelas duas da tarde, chegaram dois milicianos e levaram os irmãos. Não respeitaram nem a idade nem a doença do irmão Nicesio, que se achava de cama. Ao que tudo indica, ou foi o porteiro do prédio ou sua filha – “uma criatura perversa” -, como a classifica o padre Ibarrola, quem os denunciou. Não se sabe quanto tempo ficaram no palácio de Valdeiglesias, transformado em casa de detenção para interrogatório e tortura, que foi para onde os levaram. O mais provável é que tenham sido mortos na madrugada da festa da Assunção, dia 15 de agosto de 1936. Do irmão Nicesio contam que, com doçura na voz, disse ao chefe do pelotão: “E você se atreve a matar um velho, que pode ser seu pai e até seu avô?” E lhe deu um abraço. De um soldado, testemunha da execução, contam que saiu exclamando: “Que energia tem esse velho!” O primeiro a tombar foi irmão Gregório. Quando chegaram ao irmão Nicesio, pediu-lhes que o deixassem rezar uma oração. E, feita a oração, falou: “Agora podem disparar”. E eles dispararam. Em seguida, apenas juntaram os dois cadáveres e os abandonaram. Quão maravilhosa se tornou essa estreita união, amarrada pela caridade! Este é, seguramente, um dos mais belos feitos da história dos mártires redentoristas da Espanha.

IRMÃO GREGÓRIO ZUGASTI FERNÁNDEZ

Murillo de Yerri, minúsculo vilarejo distante 6 km da progressiva e histórica cidade de Estrela, na província de Navarra, foi onde nasceu Gregório. Com as apenas treze casas que tinha, era possível guardar de memória o nome de toda a população de Murillo de Yerri. Em Murillo vive-se bem em todos os sentidos. Povo muito religioso e próspero, que colhe grande quantidade de uvas viníferas e de cereais, cujas vendas estão bem organizadas pelas cooperativas ali existentes. Gregório nasceu em 12 de março de1884. Seus pais, Patrício Zugasti e Petra Fernández de Esquide, eram, como toda a população do vilarejo, profundamente religiosos, e desde muito cedo incutiram no menino sólidos fundamentos de religião, que haveriam de ser para sempre normas de sua vida. Fisicamente, Gregório foi se desenvolvendo de tal forma que, desde pequeno, já deixava ver a compleição hercúlea que ostentaria quando homem feito. Isso, aliás, era de família. Seu irmão Julián, que também entrará para a Congregação com o nome de irmão Filipe, era ainda mais forte que ele. A par disso, Gregório era verdadeiro exemplo de seriedade e vida sadia. Numa linguagem tão sincera quanto pura e cheia de frescor, nos conta sua irmã Leandra: “Ia a Ugarte num domingo para comungar e, no seguinte, a Rocamador de Estela, de onde trouxe, uma vez, de uma tia, o Ano Santo, ou seja: uma coleção de doze livros, cada um para um mês, e passava muito tempo lendo-os. Tínhamos um professor que não servia para nada, então Gregório nos ensinava tudo da escola, nos dava prêmios nos domingos por sabermos as lições, e tinha jogos e baralho para os dias de festa. Ele estava sempre em casa. ...No dia de Quinta-feira Santa, desde que morria o Senhor* até a ressurreição, ficava a pão e água, e as sextas-feiras dizia que eram dias de penitência. Quando foi para ser irmão, dizia que sua maior glória seria morrer mártir. Tenho dois retratos dele, e sempre que os vejo mais alegria sinto, porque nos espera no outro mundo com algum lugar para nós”. *Na liturgia pré-Concílio Vaticano II, celebrava-se a lembrança da morte de Jesus na Quinta-feira Santa. (N. do T.) Segundo a crônica da casa, Gregório chegou a Astorga, em 28 de dezembro de 1906. Como postulante, aí esteve durante dois anos, findos os quais transferiu-se para o El Espino para fazer o noviciado sob a direção do santo homem de Deus, padre José Chavatte. Em 25 de dezembro de 1912, emitiu os votos como religioso. Todos os que com ele conviveram afirmam que era um irmão piedoso, caritativo, trabalhador, obediente e mortificado.

sábado, 18 de fevereiro de 2023

IRMÃO NICÉSIO PÉREZ DEL PALOMAR

È preciso começar dizendo que, devido à sua idade, irmão Nicésio é a vítima mais venerável entre os Redentoristas mortos na perseguição espanhola. Nascido em Tuesta, província de Álava, aos 2 de abril de 1859, tinha 77 anos quando foi levado à morte. Praticamente nada se sabe de sua infância e juventude. Antes de entrar como postulante na Comunidade de Astorga, aos 24 anos de idade, foi soldado na guerra carlista. Em dezembro de 1884, ajudou nas obras de Nava del Rey; em 13 de julho de 1885, foi para o El Espino, onde fará seu noviciado e, em 30 de março de 1891, sua profissão religiosa. A maior parte de sua longa vida passou-a nas casas de formação de El Espino, Astorga e Nava del Rey. Às vezes ajudando nas obras dessas casas que pareciam nunca terminar, outras atuando como hortelão com a competência de um profissional do campo. Tanto que, em vista da capacidade que demonstrava nas atividades agropecuárias, o Visitador, padre Desnoulet, o mandou estudar o ofício na casa de Contamine, na Província redentorista francesa. Lá permaneceu dois anos. Voltou mais habilitado ainda nessa área e era frequentemente requisitado para orientar essas atividades em diversas casas. Mas era também hábil carpinteiro e mestre de obras, motivo pelo qual tinha sempre que deixar os trabalhos do campo porque sua presença era solicitada nas obras ou reformas de casas, e em quase todas as novas fundações. Na construção da igreja redentorista de Santander, aconteceu um grave acidente. Quando irmão Nicésio e outros trabalhadores montavam o madeiramento do telhado, a uma altura de 15 metros, os andaimes cederam ao peso das enormes vigas, e tudo veio ao chão: andaimes, vigas, outros materiais e todos os trabalhadores, entre eles o irmão Nicésio. Acorreram muitos em auxílio dos acidentados. Ao chegarem ao irmão Nicesio, retiraram-no para um lado e o deixaram, dando-o como morto, para correrem em socorro dos que ainda estavam vivos. Depois de atendidos os feridos, voltaram para retirar os mortos. Foi quando notaram que o irmão ainda dava sinais de vida. Estava com muitos ferimentos graves e todo ensanguentado. Extraída uma lasca de madeira que lhe havia entrado no pescoço e feitos outros curativos, o forte irmão Nicésio foi recobrando a vida, e em pouco tempo não lhe restava outra marca do acidente senão a triste lembrança daquele trágico dia. Irmão Nicesio distinguiu-se por seu temperamento austero, seu caráter íntegro, mas um pouco rude, e por invioláveis princípios ascéticos. Tinha grande amor ao trabalho e à oração, e profundo sentido sobrenatural da vida. Homem de forte compleição, tanto física quanto moral.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

IRMÃO PASCUAL ERVITI INSAUSTI

QUIS SER JESUÍTA... FICOU REDENTORISTA
 
José Erviti Insausti – esse era seu nome de batismo, que na vida religiosa será mudado para Pascual - nasceu em Echalecu, Navarra, aos 11 de novembro de 1902. Foi o undécimo em uma família de doze filhos. Seus pais chamavam-se Francisco e Micaela. Aos sete anos ficou sem a mãe. Mas mesmo pequeno assim já havia recebido dela o ensinamento das verdades do catecismo e de sólida piedade. Desde muito jovem perseguia-o a idéia de tornar-se padre. Seu pai, no entanto, era contra. Vendo que seus desejos pareciam irrealizáveis, sua vocação foi esfriando. Quando, aos dezesseis anos, seu pai lhe propôs estudar para padre, José não quis, o que era natural, pois, com essa idade, só tinha a escola primária. Aos dezoito anos, voltaram-lhe os bons desejos: agora queria era ser missionário. Mas nem ele mesmo sabia dizer se aquilo era vocação ou ilusão. A verdade é que, com dezoito anos, teve, isto sim, que fazer o serviço militar. Foi para Pamplona e soube comportar-se na cidade. Basta dizer que ia à missa quase diariamente. No dia do sorteio para ver quem iria para a frente militar, confessou-se e comungou, pedindo a Deus que o livrasse dos inimigos da guerra, ou seja, dos mouros. Ficou livre, mas teve de servir três meses no quartel. Também aí, embora deixasse esmorecer a piedade, foi um moço exemplar. Seus companheiros deram testemunho disso: prestativo, atencioso com todos, honrado, sempre disposto a fazer o bem. Uma vez, numa festa, quis dançar, mas, meio desengonçado, o que conseguiu foi só provocar risos entre os colegas. Nunca mais pensou nisso. Terminado o serviço militar, sentiu de novo o chamado de Deus e, para acabar com as dúvidas, decidiu fazer os exercícios espirituais de Santo Inácio, que duraram de 21 até 27 de fevereiro de 1926. Não saiu totalmente convencido. Voltou aos trabalhos do campo. Enquanto pastoreava, caçava também, do que gostava muito. Na solidão dos montes, meditava. De que lhe valeriam as vaidades do mundo? “Dias virão – dizia para si mesmo – em que passarão bandos e mais bandos de pombos, mas eu já estarei morto... Para que me servirá então tudo o que terei desfrutado? Para nada!”. Indeciso ainda, fez novamente, um ano depois dos primeiros, os exercícios espirituais de Santo Inácio. Saiu decidido. Pensou fazer-se Jesuíta, mas o pároco o encaminhou aos Redentoristas, e ele obedeceu. Por fim, em 31 de maio de 1928, aos 26 anos de idade, dias depois da morte de seu pai, entrou no convento redentorista de Pamplona. Ficou ali quinze dias, e logo os Superiores o mandaram para o El Espino.

sábado, 11 de fevereiro de 2023

IRMÃO GABRIEL SAIZ GUTIÉRREZ

RELIGIOSO DE VERDADE VAI DIRETO PARA O CÉU
Simplicidade, desprendimento das coisas do mundo e total entrega a Deus são traços que bem definem irmão Gabriel. Bernardo Saiz Gutiérrez era o nome de batismo desse irmão, que nasceu em 23 de julho de 1896, num vilarejo da província de Burgos chamado Melgosa. Batizado no mesmo dia, recebeu, segundo um costume de Burgos, um advogado no céu, na pessoa de Santo Apolinário. Manifestou logo cedo inclinação para a vida religiosa. Seus pais, Martín e Casilda, pobres lavradores que eram, opuseram-se. Disseram-lhe que mais tarde se poderia pensar nisso. Tentou outra vez aos doze anos, por ocasião de uma missão redentorista no povoado. E outra vez a resposta foi não. O chamado se fazia permanentemente presente em seu coração, entretanto. Mesmo vendo o tempo passar, e não sendo possível estudar, mantinha-se preso a essa ideia. O que não tinha lugar em seu coração eram as coisas do mundo, suas pompas e vaidades. Passava os domingos em casa, rezando e lendo livros de espiritualidade. Ao pai e aos irmãos, quando lhe diziam que não se interessava por nada, respondia: “Que interesse vou ter nestas coisas, sabendo que um dia terei de deixá-las?”. Nisto, seu irmão saiu de casa para servir no exército do Rei. Seu pai chamou-o de lado e apressou-se a dizer a Bernardo que enquanto não voltasse seu irmão, dali a três anos, nem pensar em convento. O pior, advertiu-se, era que, quando o irmão voltasse, era a ele que tocava a vez de servir. E começou desde então a pedir com insistência à Virgem do Perpétuo Socorro que o livrasse de servir. A Virgem o atendeu. Por fim, com mediação de sua irmã, que morava em Vitória e se prontificou a falar com os padres do El Espino, Bernardo pôde realizar o sonho de sua vida: deixar o mundo e entrar no convento. Começou o Noviciado já não sendo mais Bernardo, e sim Gabriel, e com esse nome professou em 13 de novembro de 1920, aos 24 anos de idade e quase o mesmo tanto de luta para seguir sua vocação. Desde que entrou, seu ofício foi o de cozinheiro. Para tanto, frequentou durante uma temporada um curso que foi ministrado no palácio da Nunciatura. Um irmão que conviveu com ele escreveu a seu respeito: “Era piedoso e trabalhador; não me recordo de que alguma vez tenha se negado a prestar ajuda aos demais; era visto com frequência fazendo visita ao Santíssimo. Homem de coração sensível, isso o fazia sofrer muito quando tinha qualquer atrito com alguém, e não descansava enquanto não conseguia desfazer qualquer mal feito; mais de uma vez pediu desculpas de joelhos se em algo tinha falhado...”. Quando começaram a chegar notícias da perseguição religiosa desencadeada na Espanha, dizia com admirável tranquilidade às senhoras de uma casa para onde levou os objetos sacros da Comunidade e da Basílica para livrá-los de roubo e profanação: “Se ao sair daqui me prenderem e me derem um tiro ou me matarem de outra forma qualquer, não me importa nada. Que há melhor que morrer mártir e ir direto para o céu?”. Logo depois, haveria de se cumprir seu desejo. Estava para completar quarenta anos.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

PADRE JOSÉ MARIA URRUCHI ORTIZ

CURTO DE INTELIGÊNCIA, MAS MODELO DE ESTUDANTE 
Padre José Maria Urruchi Ortiz foi o mártir mais jovem da perseguição comunista: morreu aos 27 anos. Os fuzis não lhe deram tempo para fazer história, a não ser aquela que vale por todas: seu holocausto e seu triunfo. Em 11 de fevereiro de 1909, nasceu José Maria em Ayuelas, povoado não muito distante do Colégio Nossa Senhora del Espino, dos Redentoristas. Seus pais, Marcos e Laureana, eram lavradores pobres, o que dificultou a entrada do menino no Seminário, que já desde muito pequeno havia manifestado essa inclinação. Por fim, o padre Diretor, vendo as boas disposições de José Maria, abriu-lhe bondosamente as portas, e no dia 21 de setembro de 1921, chorando de alegria, o garoto vestiu o uniforme do colégio. Como ele mesmo contou, teve dificuldades nos estudos, além de uma doença nos olhos, que o afligiu muito. Com extremo esforço conseguiu chegar ao Noviciado em Nava del Rey, fazendo sua profissão religiosa aos 24 de agosto de 1927. Nos estudos de Filosofia e Teologia, a curteza de inteligência, a enfermidade nos olhos e outras limitações foram para ele verdadeiro pesadelo, só vencido à força de muita tenacidade. Quase que contrastando com tudo isso, eis o que deixou escrito sobre ele padre Labastida, seu companheiro de estudos e meio conterrâneo: “Nosso padre Urruchi foi sempre modelo de estudante e modelo de religioso, aplicado no estudo, amigo da vida recolhida, humilde, amante da oração, e sofrido. Nunca alguém lhe quis mal e ele jamais ofendeu ninguém”. Esse calvário de sofrimentos, entretanto, causou estragos em sua personalidade. Tornou-se um homem escrupuloso, tímido, reservado. Mas conseguiu chegar ao sacerdócio, dando-se sua ordenação em 2 de outubro de 1932, em Astorga. Após a ordenação, teve ainda um ano de estudos, como era norma na Congregação, e fez em seguida seu segundo Noviciado em preparação para a vida apostólica. Findo este, foi destinado, em fevereiro de 1934, a La Coruña, iniciando aí um verdadeiro périplo por diversas casas, buscando sempre onde melhorar sua saúde. Morava em Cuenca em 1935, quando pregou uma missão, junto com padre Ibarrola, nos arredores de Madri. Não há notícias de que tenha pregado outras, e morou pouco tempo em Cuenca. Dali, foi a Vigo e, alguns meses depois, encontrava-se na Comunidade do Perpétuo Socorro, em Madri. A crônica da casa, ao registrar sua chegada, diz: “Padece grande debilidade de cabeça”. Era outubro de 1935; em julho de 1936, morreria. Quando saiu do convento, em 20 de julho, padre Urruchi, juntamente com irmão Máximo, refugiou-se na casa de Roberto González Nandín, alta patente da Marinha. Refúgio pouco estratégico, uma vez que a casa estava na mesma rua e a poucos metros do convento. Além da proximidade física, havia a proximidade afetiva de González Nandín, que era cristão de firmes princípios religiosos e grande amigo dos Redentoristas, tanto que estes lhe haviam confiado a guarda de vários objetos sacros da igreja e do convento do Perpétuo Socorro. A casa tinha capela, permitindo assim que padre Urruchi celebrasse missa diariamente. E os dois, ele e irmão Máximo, tinham ali uma vida quase conventual. Mas a companhia do irmão Máximo durou poucos dias. Precisou ceder seu lugar ao irmão Pascual, que estava correndo grande perigo onde se achava escondido. Só quem não entende a linguagem de Deus é que não consegue ver sua mão providencial nessa troca. Padre Urruchi e irmão Pascual viveriam de tal forma unidos em amizade, ajuda e conforto mútuos, oração e modo de vida, que juntos seriam levados ao martírio e juntos morreriam. Dona Concepción Fernández de la Puente, esposa e logo mais viúva de González Nandín, testemunhou que os dois passavam o dia e boa parte da noite diante do Santíssimo, ou lendo e rezando em seus quartos.

sábado, 4 de fevereiro de 2023

PADRE ANGEL MARTÍNEZ MIQUÉLEZ

O BOM RELIGIOSO
 
Aos 29 anos foi cortada e derrubada esta árvore, que tantos e tão ricos frutos prometia. Angel nasceu num povoado de Navarra, chamado Funes, aos 2 de março de 1907. Foi batizado no dia seguinte. José Martinez e Joana Miquélez era como se chamavam seus pais. Quando religioso, Angel será chamado pelo sobrenome da mãe, Miquélez, porque já havia um padre com o nome de Martínez. Dona Joana morreu cedo. Angel foi confiado aos cuidados da irmã de seu pai, sua madrinha além de tia, que, muito piedosa, tomou o menino nos braços, colocou-se diante do altar da Virgem e o entregou à sua especial proteção. Já maiorzinho, a partir do momento que soube desse gesto, e até o fim da vida, irá recordar-se dele sempre com emoção. Quando Angel tinha cinco anos, toda a família mudou-se para Buenos Aires, em busca de vida um pouco melhor, pois a pequena porção de terra que possuía o senhor José mal dava para que ela sobrevivesse. Durou dois anos a aventura, e tiveram que voltar à sua Espanha, pois, se em Funes não iam bem as coisas, em Buenos Aires andaram pior. Tentando estabelecer-se, o pai de Angel ficou alguns meses com a família em Navarra. Conseguiu colocar Angel no colégio dos Padres Esculápios. Inteligente, aplicado e piedoso, começou a chamar a atenção dos padres, que já o olhavam com interesse. Mas Deus tinha outros planos para o menino. Ainda quando a família estava em Navarra, houve missões redentoristas em Funes. Madalena, a madrinha de Angel, foi conversar com os missionários a respeito de três sobrinhos seus, especialmente sobre Angel, seu afilhado. Meses depois, quando os missionários retornaram para a renovação da missão, sua família já havia voltado a morar em Funes. Angel gostou dos missionários e os acompanhava por onde iam. Não deu outra: em fins de fevereiro de 1918, antes portanto de completar onze anos, Angel foi admitido no El Espino. Fez com êxito os estudos colegiais, pois, como já se viu, era inteligente e aplicado, e, além disso, muito sério em tudo o que fazia. Seu ano de Noviciado, feito em seguida, também transcorreu sem novidades. A 24 de agosto de 1925, pronunciava seus votos religiosos. Os seis anos de Filosofia e Teologia não foram diferentes, ou, se foram, o foram para melhor, pois suas notas, salvo raras exceções, sempre estiveram entre excelentes ou ótimas. Sua ficha, tanto do Noviciado como do Seminário Maior, é a mesma: “Talentoso, ajuizado, de boa índole; sério, correto, piedoso, constante, amante da vocação. Um pouco teimoso”. Teimosia, aliás, olhada sob determinado ângulo, pode significar perseverança. E foi com perseverança que Angel Martínez Miquélez chegou ao sacerdócio em 20 de setembro de 1930. Nesse mesmo ano foi designado como professor de Filosofia, cargo que desempenhou até 1934, quando, pela metade do ano escolar, teve de ser substituído devido a um esgotamento nervoso causado por excesso de esforço e trabalho.